Carlos Matuck
TEXTOS
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CARLOS MATUCK
Só convencionalmente se pode falar em retratos na captura dos investigados
atuais de Carlos Matuck: diferindo das tipológicas por
não atualizarem as classes de traços gerais, como a lombrosiana, e
das fisionômicas por não designarem, como a do wanted, os existentes,
as figuras, quase bustos, não implicam o individual por não
suporem a indivisibilidade, nem o irredutível por não presumirem
a intransitividade. São singularidades: inabituais e diferenciais,
sem o álibi da idealização, não se conhecem como estilizações de
retratados; libertam-se, assim, dos retratos, que a culta carta de
Waldemar Zaidler para o artista levanta como momentos de seu
percurso. A figuração atual distingue-se, entretanto, da precedente
por não copiar, deformar ou agigantar modelos, no que se configura
a recusa da imitação que deles a derive. Pois, nada havendo a retirar,
ritrarre, do léxico renascentista, não se fala em retratos, nem
em modelos imitáveis em qualquer gênero. Propõe-se, aqui, “cabeças”
para designar o que se declara nas investigações de desenhos
e pinturas com que Carlos Matuck pode, parodiando-lhes em parte
os procedimentos, zombar dos arrivistas da Roma republicana pegos
a cortar as cabeças das estátuas de antepassados do patriciado
para substituí-las pelas próprias. Há, decerto, diferenças nos nomes
e usos: a imago, de imitago, encarecendo na imagem a imitação,
louva a semelhança fisionômica, enquanto vitupera a impertinência
compositiva das cabeças em corpos indevidamente ocupados.
As cabeças de Carlos Matuck não são, pois, compositivas como as dos
patrícios romanos, e isso em sua definição mesma, que afirma o misto:
à diferença do composto, esse explicita-se como justaposição de
partes, que, insubmissas, agregam-se sem orientação prévia. Alheio
ao Um subordinador, o misto é o que mostra, monstro no decoro horaciano
do centauro. Singularidade, pois inabitual e exclusiva, a cabeça
também é monstruosa: os recortes retangulares de pinturas feitas
a partir de fotografias de fichas de criminosos são juntadas de modo
que as identidades individuais se desintegrem na cabeça. Aleatoriamente
justapostas, mantido embora o vulto da Gestalt, as cabeças
são colagens de recortes equivalentes aos retratos pintados e, além,
às próprias fotografias. Mas essa equivalência não confere unidade às
cabeças, que são, todavia, simulacros dos retratos pintados na visão
distante, não na próxima, na qual ressaltam as partes, os recortes que
a ninguém totalizam. O jogo entre o longínquo e o propínquo intercepta
o arcimboldiano, em que, duas distâncias ou posições efetuam
significação metafórica e sinedóquica, facécia, como a muito divulgada
do “livreiro-livros”. Mesmo que Carlos Matuck não masque o
riso, nele não opera a homogeneidade arcimboldiana na significação
produzida pelo contraste das distâncias: a cabeça, como simulacro
do retrato, pois colcha de retalhos, junta o múltiplo espedaçado dos
indivíduos em uma pseudo-imago, heterogeneidade que, suspensiva,
pode desencadear um sem-número de narrações que incham
as cabeças ou as contraem, como as que nelas distribuem as forças
parcelares de criminosos, cuja conjura alegoriza a recrudescência do
crime: são efeitos metonímicos que, da descontinuidade, registram
histórias sucessivas, assinalam a resistência à cretinização hoje dominante
com um desejo insistente em discursos e figuras.
Leon Kossovitch
Texto do catálogo da exposição Destinação Polônia
realizada na Graphias – Casa da Gravura
2014